Ele acha engraçado ter um cachorro chamado Cachorro

— Ele acha engraçado ter um cachorro chamado Cachorro.
— Mas é engraçado.
— Camila, porra!
— É engraçado…
— Se você acha engraçado um cara de trinta anos com esse tipo de ideia sobre a vida… Sabe qual nome que ele deu para o gato?
— Gato.
— Não. Cachorro, também. Não deixei ele ter uma tartaruga. Se tivesse mais um Cachorro naquela casa, eu ia pirar. Não sei como perdi tanto tempo com ele.
— Ele é engraçado… até. Imagina, uma tartaruga chamada Cachorro. Mor niilismo.
— Quando você tiver a minha idade, perceberá que homem não tem que ser engraçado. Tem que ser homem. Tipo, senso de humor é ótimo, anima a vida. Mas, olha, uma pessoa que não consegue levar nada a sério precisa de um choque de realidade para acordar. Sabe o que ele fez no nosso último, graças a deus o último, aniversário de namoro?
— Que fez?
— Ele comprou um… Espera… Parece piada. É ele. Toma, toma, atende. Diz que não vou atender. Melhor, diz que estamos no hospital.
— Hospital?
— É, diz que eu estou muito mal, que você me acompanhou ao hospital e está esperando o veredicto do médico.
— Veredicto?
— É, diz que, diz pra ele deixar recado, quando eu tiver alta, e se não estiver ocupada, ligo de volta. Toma. Diz que é grave. Toma.
— O que você tem?
— Como assim?
— AIDS ou resfriado?
— Língua negra pilosa.
— Língua negra pilosa?
— Não. Melhor: gargolismo.
— Gargolismo é doença?
— Esquece. Vai de língua negra.
— Em qual hospital?
— Sei lá, Camila. Hospital do Santo Honório.
— Existe?
— Agora existe. Toma. Toma.
— Alô? Não. É a Camila, amiga da Fer… Há-há-há, sou essa mesma… Hã… Hã… sério? Hã… Hã… Há-há-há, um padre? Hã… Hã… O fazendeiro jogou em vocês? Há-há-há. Há-há-há… Hã… Hã… Hã… Ele deixou cair no rio? Hã… Hã… Hã… Hã… Hã… Hã… Há-há-há. Há-há-há. Deve ser uma galera animada. Isso que é pescaria, hein. Hã… Hã… Hã… Há-há-há. Tá, eu digo pra ela. Pode deixar. Outro…. Há-há-há… Tchau. Ele é muito engraçado.
— …
— Ele disse que foi pescar com uns amigos e um fazendeiro achou que eles…
— Não quero saber!
— Ai! O fazendeiro prendeu eles no estábulo, coitados.
— E o hospital?
— Ai, desculpa. Nem lembrei. Ele ficou falando. Não deu tempo.
— Bem típico dele. O que ele queria?
— Ele falou que queria que você estivesse lá.
— Sério?
— É, falou que você é tudo pra ele.
— Grandes bostas.
— Falou que sente a sua falta. Falta do pezinho. Que pezinho?
— Ai, Jesus.
— O que é pezinho?
— Ai, Camila.
— Pezinho?
— …
— Pezinho?
— Pezinho é quando eu fico sentada e ele… Me dá esse celular… Alô. Oi, sou eu. Seu cachorro, que história é essa de falar do pezinho pros outros? Hã… Hã… Hã… Um padre? Hã… Hã… Hã… Mordeu? Hã… Hã… O médico já deu o veredicto? Hã… Hã… Coitado! O João já era ruim de uma perna. Força pra ele, coitado. Hã… Tá, quando voltarem, liga pra mim pra saber se vocês estão bem. Tchau. O cachorro do fazendeiro mordeu um amigo dele, coitado.
— Cachorro cachorro?
— Sabe, se ele se esforçasse para ser homem, as coisas poderiam ser diferentes.
— Ele é engraçado.
— Bobo.
— Bobo é ovo, que não para em pé.
— … Por favor…
— Posso perguntar uma coisa?
— Se melhorar o nível, pode.
— ……………………………….. Esse negócio do pezinho é tipo quando o cara pede pra, sabe, funfar nele?
— Ai!
— …
— …
— …
— Camila, você poderia ter perguntado de outro jeito.


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